sábado, 25 de agosto de 2012

O "orgulho gordo" e outras coisas que tais


Deu-me para ler blogs “de gaja” nos últimos meses. Aproveitei a conjuntura desta fase da vida e, dado que os neurónios não aguentam coisas muito eruditas, é disto que papo nos intervalos de estudo. Um tema recorrente é a dicotomia beleza:inteligência nas mulheres. Ora leiam aqui o melhor exemplar que colhi deste tema: http://www.oblogdodesassossego.blogspot.pt/2012/07/nao-me-venham-com-merdas-que-moda-pode.html .
Antes de mais, convém salientar que não me considero uma Cláudia Vieira, muito menos uma rapariga dotada de uma inteligência e cultura que transcendem a órbita terrestre. Na verdade, não almejo uma coisa nem outra: a Cláudia tem joelhos de velha (não parece mas tem, que eu vi) e ter uma grande cabeça é uma ameaça a ser feliz. A minha já me chega.
Percebo o “orgulho gordo” e já cheguei a cultiva-lo também, na minha adolescência. Era uma miúda grandalhona, que os coleguinhas de turma arrumavam na baliza porque se abrisse os braços e as pernas não entravam bolas (não fosse eu nunca ter dado um chavo no desporto) e a brincadeira das meninas partilharem roupa não dava para mim: não era qualquer marca que vendia o 44. Ah, e vestia t-shirts a dizer “Salvem a baleia” nas aulas de educação física porque era uma miúda espirituosa e gozava com a situação (e os rapazes naquela idade achavam um prato e faziam o maior escarcel. O mordam-me no cú porque é onde tenho mais carne é um lema de vida!). Havia até o “levantamento da Cató” e eu não me esqueço que só 3 pessoas conseguiam comigo ao colo, uma delas nossa professora de matemática (um beijo para si, que sei que lê! A propósito, nunca mais a vi no ginásio!). Apesar dos quilos a mais, eu sentia-me bonita. Muito trambolha e desajeitada com uma pauta brilhante estragada por um 3 a educação física, mas bonita. E complexos com o corpo foi coisa que nunca me assistiu.
Isto só para perceberem: eu já não me sinto trambolho mas sou a mesma pessoa. Faço desporto mais do que 5 vezes por semana, sinto-me ágil e saudável, caibo nas calças, era capaz de apanhar mais bolas na baliza agora, era miúda para ganhar o teste do Cooper a correr e tenho mais força, por dentro e por fora. Ah, não me acho uma Cláudia Viera mas acho-me bonita.
Se sou manipulada por uma corrente de materialismo porque as modelos magrinhas e giras é que fazem as publicidades e tal: eu não vejo televisão e eu não gosto de magrezas. Estou-me pouco borrifando para estereótipos.
Se sou influenciada pela opinião masculina, gosto de dar nas vistas por atributos físicos, visto saias/vestidos/saltos altos/e que mais coisas do demo: não trocaria o meu cérebro pelo melhor par de mamas do mundo; gosto de compras mas não sou shopaholic (excepção feita ao Celeiro e Supermercado do El Corte Inglés); e por último: o que é bom é para se ver com conta, peso e medida.
Se é excessivo dedicar-me ao corpo 7 dias por semana porque é uma moda ou é fútil: comer bem e pôr o corpo a mexer não é fútil. Ele foi feito mesmo para isso. Senão não havia a epidemia de obesidade e diabetes que há para aí. Eu nunca vou habituar o meu corpo ao sedentarismo nem que não durma! Nem que tenha de saltar à corda na sala da enfermagem. Fica a promessa.
Sobre o ir ao super-mercado de saltos e cabelo arranjado e unhas de gel: eu vou onde quiser como eu quiser, de jardineiras e all-star ou vestido e saltos altos. E se não cuidar da minha aparência é porque algo de muito grave se passa comigo. E quanto aos trezentos e tal acessórios e maquilhagem: cada um usa o que lhe faz sentir bem. Mas que porra.
Relativamente ao facto de cada frase feminista destas vir com “os homens” atrás: as meninas que se acham inteligentes e normais, que não entram nessa de ginásios e de maquilhagem e não seguem as tendências da moda, respondam: tudo o que vocês fazem é para agradar aos homens? É que eu faço estas coisas acima de tudo por mim. Será que sou anormal?

E terminando, gostaria de dizer à autora que sei onde andam as mulheres inteligentes que estudam, pensam e lêem e discutem. Se quiser, eu apresento-lhas. E sabe, elas são lindas de morrer! São giras, cuidam-se, comem bem, fazem desporto, vestem-se bem, estudam como máquinas, são determinadas sem perderem a feminilidade (já que diz que as mulheres têm de ser masculinizadas à força para serem respeitadas e ouvidas), lidam com homens, integram e lideram equipas, seguram bisturis, têm sangue frio e mais: lêem romances, percebem de política e maquilhagem, de cozinha e de moda. Minha querida, tenho todo um mundo para lhe apresentar.
Concordo plenamente que a beleza é uma questão de atitude. É acima de tudo atitude. Assim como me passa completamente ao lado o estereótipo de gaja boa sem nada na cabeça, começo a odiar aquelas que se intitulam normais e acham que boa e burra têm de andar colados.

domingo, 12 de agosto de 2012

Antes fosse bicho carpinteiro

"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa: uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância — irmãos siameses que não estão pegados."

Livro do Desassossego por Bernardo Soares