quinta-feira, 13 de março de 2008

Um tão só "paz-à-sua-alma"


No que respeita à corrupção, já por aí vi corrupções piores que aquela biológica e fétida putrefacção de tecidos, deterioramento, apodrecimento, decomposição. Aquela que acontece fruto e semente de vida, num oportunismo desenfreado de bichinhos mínimos e inocentes, numa competição espectacular por substrato.


"Vós sois o sal da Terra" e o sal, desde os primórdios, impede a corrupção. Com tanto sal neste mundo, toda esta podridão existe "porque o sal não salga ou porque a Terra não se deixa salgar". O ideal seria sermos frigoríficos uns dos outros, numa simbiose de quem não se quer deixar corromper. Mas isto é mera teoria que se impinge aos miúdos do secundário, naquela idade em que simbiose parece o lema de vida, qual líquen colado a uma árvore! "Ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites" e quem diz Cristo diz variadíssimas coisas, como bons valores. "Bons", no padrão normativo de uma pessoa normal. "Normal", adjectivo estúpido e sem sentido que devia desaparecer dos dicionários.


E sem querer transformar isto num diário para desabafos incompreensíveis, intraduzíveis e irresolúveis, é esta a última vez que falo deste assunto e fá-lo-ei num parágrafo apenas:

Leve Cristo ou qualquer coisa "boa" a senhora C, companheira das terças e sextas-feiras e também o senhor A, que às quintas-feiras se demonstrava atencioso e um pouco relutante para com o entusiasmo das alminhas de bata branca, excitadas e maravilhadas com as "porras" da Natureza. Sim, ela tem mesmo "porras".


E eu...eu hoje vou adormecer no ombro do Tempo e ficar feliz por perceber um pouco mais deste mistério que se chama vida.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Teatro Anatómico

Isto é só uma forma discreta de deixar escapar o brilho que o meu corpo empacota neste momento.
E falando de corpo, que coisa esta, que bilhete para a vida tão físico e efémero, tão mundano, tão fatal, tão fútil. Embelezamos, exercitamos, usamos, abusamos, matamos o corpo. Vestem o corpo, têm vergonha do corpo, vivem do corpo, admiram o corpo, desenham-no, esculpem-no e mutilam-no e maltratam-no e intimidam-no perante espelhos. E pelo corpo vivemos durante umas mãos cheias de anos e passada a sua validade, qual iogurte a fermentar naquele processo transparente e imperceptível de bactérias a proliferar às escondidas dentro de um frigorífico, esta máquina quase perfeita falha e morre. E azeda (e de que maneira).

Passada a sua validade, o corpo, jamais nosso, jamais de alguém, jamais alguma coisa, é mais um despojo morto da biosfera, qualquer coisa inerte e amorfa, muito amorfa, muito disforme, que já foi muito de alguém, que já foi muito importante, agora muito de um qualquer predador ou biodecompositor, muito de um outro ecossistema.

Talvez seja mesmo um fim nobre um último teatro_ um Teatro Anatómico. Esta é a forma de designar aquele espaço que, ora a cheirar a coelho, ora a cheirar a cadáver, ora a cheirar a formol, acolhe o estudante daquela ciência bonita que estuda o corpo. É um templo anatómico, um verdadeiro palco onde pedaços de nós ou daquilo que seremos quando passarmos da validade desempenham o seu último papel.


Continuarei a aplaudir...