sexta-feira, 29 de abril de 2016

Egofonias: a senhorilização das meninas

Gosto mesmo que me chamem menina.

_ É para já, menina!



Fazem-me acreditar constantemente que já não o sou. Ser senhora acarreta muito mais responsabilidade. A gente veste a casaca, encarna a personagem e...sobra pouco tempo para ser menina. 



_ Quer cheio, menina?

_ Cheio, sim. Com chávena escaldada, por favor.



Estes pequenos nadas sabem tão bem como pausas para café.

Quando volto a ser menina não há decisões difíceis nem riscos graves associados. No máximo queimo a língua! 


_ Posso ir para a esplanada?
_ Esteja à vontade, menina.

Sem pressão, sem multitasking, sem minutos contados, sem julgamentos.

Hoje em dia, mais do que querer rapidamente ser senhora, é-se levada a ser senhora em pouco tempo e habitualmente sem período de adaptação. Os miúdos como eu passam de uma irreponsabilidade quase total para uma pressão que, para alguns, não é fácil de encaixar. Esta é uma grande barbaridade social que nos toca fatidicamente a todos, miúdos da minha geração, mas julgo que nas mulheres adquire contornos diferentes. 
Não me lembro exatamente do ponto de viragem. Algures na minha infância disseram que eu já era uma senhora...o que não em caiu propriamente muito bem. Depois a responsabilidade da luta pela carreira, a responsabilidade de gerir um lar, a responsabilidade de harmonizar uma família...as meninas também fazem estas coisas, digo. Ou serão só as senhoras?!

E falando de meninas...tenho uma menina linda. Menina, sim, naive e livre para ser quem quiser ser. Preocupa-me isto da senhorilização das meninas. Ela merece viver as fases dela sem limitações, comparações, competitividade ou imposições. Por outro lado, são as regras deste jogo. E eu , mãe desnaturada também filha desta sociedade, que inconscientemente lhe imponho metas de crescimento! 

Quero mesmo ser mais menina. Lá vou sendo pouco a pouco nestas pausas, e vou transportando nos bolsos das calças estes princípios para as minhas responsabilidades_ discutir ideias, tornar conscientes as minhas fragilidades, fortalecer convicções, agir em consciência, tomar medidas de espírito aberto, correr lucidamente ao lado do risco. Ter medo, mas sem vergonha.
Tenho consciência que sou mais menina desde que nasceu a minha menina. 
Obrigada, minha filha. E obrigada a quem me relembra no quotidiano essa parte de mim.


Já agora, voltei a usar ténis. Tou-me a c*gar.