terça-feira, 20 de julho de 2010

Clube das aves raras


A vantagem de se vir deslocada da terrinha para a cidade, numa rota migratória que se repete todos os anos, mais semanal para uns, mais entre estações para outros, é encontrar outras aves com as quais nos identificamos. Partilhamos o mesmo habitat académico mas as espécies migratórias são variadas, uns patos, umas rolas, uns pombos, umas andorinhas, umas aves de rapina. E neste desfile de penas e de garras, natural é que os bichos se agrupem por espécies. E é assim, em todo o mundo: patos com patos, pombos com pombos, rolas com rolas. Uns dormem assentes num pé, outros dormem com o pescoço virado para trás, há quem chilreie, quem grasne, quem gorgoleje, cacareje, trine, grojeie, crucite, gralhe, grite, pie, rulha, cante, glotere, parle, guinche, estridule! Quem se pavoneie, se sacuda, se cate, se bique, se roce. Uns em grandes voos a céu aberto, outros aos saltinhos miúdos, uns a bicar pedrinhas, outros a bicarem-se uns aos outros. Uns tucanos exóticos, uns zelosos pelicanos, araras mais coloridas, mochos velhos, corujas sábias, de tudo.
Fora desta classificação, fui encontrando por aí umas aves raras. Não as via particularmente encaixadas em nenhuma destas sociedades, embora sejam umas mais sociais que outras, muito ao estilo ave rara migratória, de andar por aí meia vadia a pavonear as penas aberrantes. É uma ave difícil, mas só uma santa raridade para penetrar nestas sub-sociedades, também. E formamos, agora, uma espécie de clube. Mas uma coisa muito tu-cá-tu-lá, qua-qua, de nos irmos catando aos pares, que não há ave que nos cate melhor as penas que aquelas com penas igualmente atípicas. Fugimos todos os dias à sentença de Darwin, que não temos propriamente as características mais propícias à sobrevivência e temos os nossos caprichos alimentares. Não nos serve qualquer grão! Quanto a isso, como diz o mocho mais deliciosamente difícil de aturar que conheço, é a sentença de carregar um cérebro que anda a mil à hora!
E para ti, que te dizes ofendido quando te agradeço por me catares mais uma vez, esta asa está sempre aqui!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Mulheres-a-dias


Às vezes penso que dedico demasiado tempo a pensar em coisas que não valem a pena. É que muitas vezes, no meu dia-a-dia, sou confrontada com a pergunta como é que uma senhora deve fazer isto? ou o que faria nesta situação uma mulher a sério? ou sou mesmo uma mulher a sério? ou o que raio é que é o toque feminino que dizem que falta aqui?. Isto até pode parecer ridículo mas o que é facto é que me chega a tirar o sono de vez em quando. E não me refiro à dicotomia perna aberta/perna cruzada (obviamente que depende do que tenho vestido e de quem tenho à frente), ao volume e colocação da voz (Deus deu-me um megafone mas tento controlar), ao quão expressiva (e espalhafatosa, por vezes) deve ser uma conversa, nem a certos tiques de homem que insisto em preservar, como coçar a barba e as partes baixas (é mentira! só para ver se estavam com atenção!!).

Sempre fui muito pouco formal e gosto pouco de regras. Quero dizer, eu até posso segui-las mas é porque estão tão agarradas a mim que me são naturais. Agora cozinhar porque sou uma senhora, cruzar a perna porque é mais elegante, achar inadmissível que os homens da casa se passeiem de boxers porque me faz confusão à vista (faz-me mesmo espécie, é diferente) acho ridículo. Faço o que de mais urgente me dá na real gana e no que toca a ser uma senhora, talvez a única coisa que me custe seja mesmo controlar o meu megafone. Vinho tinto sim, muito obrigado; carro nas mãos sempre que possível; café a sós com um amigo sem problemas (e sem problemas para o namorado, também!); abraços à homem e calças a cair pelo rabo, assim à trolha. E nisto, acho-me mulher. Sempre me achei muito mulherzinha mas o problema é que já não sei bem o que a sociedade exige que as mulheres sejam.

Porque cada vez há mais mulheres-a-dias, uns dias mulheres, noutros dias nem por isso, de relações superficiais e físicas, muito sapato italiano e perfume francês, muito sexo e a cidade. Não é que tenha alguma coisa a ver com isso, até porque a culpa não é, de todo, delas. Lá tiveram o azar de se meterem com um banana e ficaram a pensar que todos os homens são bananas ou que, por outra, a única coisa que um homem tem é...esse fruto. Por outro lado há escritório e trabalho e prazos e obrigações...e provavelmente de outro lado uma barriguita a crescer, uma mama para dar, um filho para criar, um pai que não existe...uma casa para limpar, uma refeição para orientar, um pai ou uma mãe doente para ajudar...e depois há amigas e compras e uma necessidade realmente estúpida de querer parecer sempre bem, impecável, sem olheiras, elegante, passada a ferro e viçosa que nem uma alface. Tretas! Ou os XY se fazem homens ou deixa de haver mulheres "como deve ser", ainda que isto seja deveras discutível.

E depois há a moda de querer parecer mais mulher: tendências à anos 60, com rendinhas, coisinhas cintadas, todo o aspecto de uma dona-de-casa daquelas dos anúncios publicitários da farinha e do pudim mas falta realmente o tacho e a máquina de costura. Falta, realmente, o amor. E falta, realmente, a mulher ali. Isto para não falar de mamas de silicone e cirurgias aos pés para caberem num 36 biqueira fina.

É possível que esteja a ser radical. E demasiado tradicionalista. E essas coisas todas, porque a minha mania de mulherzinha faz-me franzir o sobrolho perante estas modernices. Mas...e vocês? O que é para vocês uma mulher como deve ser?