domingo, 9 de maio de 2010

44

É mais ou menos esta a sensação, 44. Por ser capicua também, por ser o dobro (mais 50%, 33, seria pouco, e mais que o dobro é exagero), por também ser um número redondo, como o que o 1988 documenta.

É mais ou menos 44. Até aos 10 já devia contar uns 15 e aos 20 estava certamente nos 30.
Dá-me uma média de 18 horas a sério por dia mais umas 20 horas de insónias por semana. Umas 6 horas de trânsito, outras 4 horas de fato-de-treino e umas 6 horas de aulas teóricas (o meu défice de atenção...) e mais 2 se for ao cinema (estando, como é hábito, desatenta). Reconheço que não relaxo, que não desligo, que não deixo (mas tento) de correr. Que nem consigo escrever sem pressa, que não sei cozinhar sem tudo voar à minha volta, que não sei estudar um capítulo sem antecipar o outro, que nunca chego antes da hora, que ando sempre a penar por um intervalo de 3 a 20 minutos. Esses 17 minutos são gastos e duplicados, consumidos no metabolismo que seria em 40 tão minutos como eles mas mais moles. Mas eu mole não sou, tirando em alturas de exames, em certas partes do corpo.
E estaria eu 50% mais velha, pelas minhas contas, se ainda aos 20 parecia ter 30 e aos 10, e isto chegou a ser físico, com pêlos e pendurezas de mulher a nascerem-me pelo corpo, tinha, garantidamente, 15 anos. Estes dois anos, ou talvez os últimos quatro, fizeram o favor de me acrescentar mais umas pendurezas cá pra dentro. E não é que, dentro da minha casquinha jovial e da minha habitual distracção, parecem intimidar pendurezas biologicamente mais velhas! E eu continuo a achar-me tão pequena...pequena e um pouco cansada. Cansada (não contrariada).

Ainda assim, e porque amo a minha correria, e porque amo quem quer correr comigo, e porque amo aqueles com que me cruzo, quero pelo menos chegar aos 66. Já tenho anos suficientes disto para poder dizer que gosto é de andar cansada, e que é cansada que sinto a razão que me faz ser. Menos mal, dizem vocês, não sei pra que é que lhe deu para ali hoje!

O que me fascina, depois de muito tempo por aí a matutar (com um género de enrolo de carne, daquelas rijas que nem cornos_ hoje faço anos, desculpem lá_ tipo a pele do tomate do boi, no canto da bochecha, a moer, a moer, a moer)_ é que foi preciso chegar aos 22 anos biológicos para ver que a vontade de nascer é bem maior do que a fatalidade e incidentalidade da morte, principalmente aquela que não se espera para tão cedo.

E aí, ultrapassando o quase milagre que é:

o óvulo sair à rua quando as mães não têm dor de cabeça, ou quando o pai não chega tarde a casa, ou então é um óvulo esperto e sai ao fim-de-semana (ou quando ganha o benfica!)

o útero estar fofinho e não se arma em mauzão e dá cabo de vinte e três cromossomas com cheiro a homem, numa casinha tão fofa e feminina, depois de tanto trabalho a atapetar isto e vem-me uma carrada de girinos pisar o tapete!

os girinos são de uma boa fornada, o pai não anda de mota nem abre a pernoca à lareira, e não andou nos copos nos 70 dias antes de festejar com a Maria

o piqueno lá se alapou no fofinho do útero e foi crescendo, crescendo, apontou a cabeça para baixo (e se não apontou, nasce-se de pés e de nádegas e de queixo; aquilo quase que já só escorrega) e trungas cá para fora, a abrir aqueles pulmões e a sentir aquela que dizem ser a pior dor de todas que um humano pode sentir.

E só aqui, quando se vê aquelas criaturas a chorar, depois de passados tantos obstáculos estatísticos, e graças a Deus que houve festa naquela noite (e graças a Deus que a vida é assim) é que se percebe. Somos feitos para isto mesmo: escapar aos obstáculos estatísticos e viver. A perda de um homem é ,diria eu, estatisticamente discreta perante o quase milagre biológico que foi para ele nascer.

Pensem nisso. Se mo tivessem dito há mais tempo talvez tivesse só 33!

domingo, 2 de maio de 2010

Dias da mãe é quando um filho quer

Maiiiim!!

Gosto de ti a pendurar cortinados. Escadote acima, escadote abaixo. Estica o braço, estica o pano, corre o pano.
E a chinelar pelo corredor. Treca treca treca. "Ó Paulo!", treca treca, e lá passa mais uma peça de roupa, e lá arruma uma ou outra coisa, ou muda-lhe o sítio para arrumar mais tarde.
E eu, suspensa na minha quietude, lá andava atrás de ti ou contigo, no teu treca treca treca de todos os dias.
Não me falaste muito do teu treca treca culinário, mas aposto que ainda fizeste uns quilómetros comigo na cozinha. Esse teu livro de culinária, amarelo e consumido pelo tempo, já me é familiar há muitos anos. Acho que te dei uma ajuda a recortar as receitas das revistas!
Andávamos floridas e vaporosas com aqueles vestidinhos frescos e práticas de sapatos baixinhos. Nunca fomos muito de saltos altos, é de família! O pai diz que eras a grávida mais bonita lá do sítio! Claro que sim! A tua permanente volumosa ao vento fazia inveja a qualquer alminha gestante!
Mas o melhor momento do dia era quando nos traziam aqueles alguidares de laranjas. E então sentava-mo-nos de pernas abertas a devorar laranjas nas escadas. Gulosas!
Gostava quando me passavas a mão pelo pêlo, quando me besuntavas de creme para as estrias e dava cambalhotas de felicidade por não usares cintas! Como tu, também não gosto muito de apertos!
Lá dei mais uma cambalhota, uns pontapézitos meigos, e meti-me a jeito da porta de saída, que nove meses, e sendo muito tua filha, é demais para estar parada.
E acabei por sair, depois de me tocarem na cabeça umas 15 vezes, primeiro o médico, depois o interno, depois o aluno do 6º, 5º e 4º ano, isto umas duas ou três vezes, enquanto eu rejubilava no meio de hormonas e prostaglandinas, impaciente às cabeçadas durante quatro horas.
Lá te vi mais agitada que o normal. Deve doer, mas obrigadinho pela força! E foi roxinha que vim ao mundo, pelo que dizes. Nem chorei, nem esperneei e nem parece isso coisa minha! Pelo que consta nem tivemos muito tempo para olharmos uma para a outra. Fugiram comigo e fecharam-me numa caixa transparente, longe de ti e do pai, sem laranjas, sem treca treca e sem "Ó Paulo"! Acho que ficaste preocupada mas eu estava "na boa"! Dois meses depois andava de fato-de-banho, de colo em colo, em plena praia da Nazaré, olé!

Depois desta vivência tão agitada, seria impossível não ser como tu! Continuo a gostar do treca treca treca, jardim acima, jardim abaixo, do "Ó Paulo", do cheirinho na cozinha, das coisas gulosas, de me passares a mão pelo pêlo! Principalmente a última parte!

Dias da mãe é quando um filho quer!