sexta-feira, 18 de abril de 2008

Como num jogo de flippers

Lisboa, numa qualquer inspiradora aula de matemática, 2006


Alguém coloca a moeda por nós. E emergimos do nada, a medo ou confiantes, fitando o horizonte. Impulsiona-nos a vontade, uma espécie de mola accionada por uma alavanca que nos faz viajar por vários mundos, alucinar com as luzes, impressionar com o som, comover com a emoção, por quedas vertiginosas que abafam o fôlego, por subidas alienantes que inflamam a alma. E tudo vai ser um devaneio por entre luzes psicadélicas e sons que parecem ensurdecer, batendo aqui e ali, amealhando pontos sucessivamente ou perdendo-os cada vez que embatemos violentamente com um objecto.

“Pás!”_ o som seco dos ossos, o sofrer da pele, o barulho abafado pelo vidro da caixa, o eco que não pode ecoar, privado da razão que o faz ser. E com esta triste sorte o decréscimo de pontos e nós, bolas, vulneráveis à lei da gravidade, perdemos o equilíbrio. Se tivéssemos pés tropeçávamos, mas somos bolas_ o mais redondo e perfeito dos sólidos, tudo em nós é pi, tudo em nós são trezentos e sessenta graus ou dois pi radianos que nos fazem rebolar, ganhar velocidade e cair_ cair ou qualquer palavra mais forte, mais feia, mais despojada que não existe no dicionário e que eu não consigo inventar_ e acabamos num buraco escuro e à parte, num plano sob a nossa própria vida, noutra dimensão que não a realidade, mais sós do que nunca, até um novo accionar de alavanca, um novo impulsionar de mola.


Oxalá.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Jardinar ideias


Agora que o tempo está propício, é altura de jardinar. O sol estica os primeiros raios e as nuvens escondem uma ou outra lágrima (de felicidade, porque não queremos pensar em coisas más). Lisboa é uma pequena estufinha, cheia de tulipas encarnadas que desabrocham pelas ruas (no sentido gracioso) e os narcisos apenas dão fé de si, na sua mania narcisista (não apitam nem berram, dão simplesmente fé de si). Este clima ameno e ligeiramente bafiento (ninguém falou em efeito de estufa) e este UV-Cêzinho manhoso não me depelou, apenas provocou uma ligeira descamação da pele, isso a que chamam epitélio estratificado pavimentoso queratinizado lá há-de ser um nome bonito ou um elogio na língua de quem o inventou.

Fiz uma covinha na terra e lancei a semente. Cheira a chuva, a Inverno, mas hão-de vir aí dias amenos_ a bonança após a tempestade! E como cada um colhe o que semeia, a minha semente é das melhores. Nem uma brisa aqui passou, porque quem semeia ventos colhe tempestades, e se por acaso tivesse passado teria sido eu própria a ampará-la com a vida.
Depois o adubo orgânico, vulgo esterco (palavra agressiva para coisa tão singela), e tapa-se com terra outra vez. E aqui entram duas teorias distintas_ o regar ou o não regar. Regar porque é água e a água faz bem e o não regar porque iria humedecer a semente e isso ia aprodecê-la. Não reguei. Sou uma jardineira a sério.

E depois esperei. Todos os dias visitava a semente e lá depositava mais uma ou outra gota de amor, que lá havia de fazer alguma coisa aos cotilédonos. Além disso, amor é rico em proteína e noutras coisas boas que dão saúde. Mal não lhe há-de fazer de certeza!

E assim se semeiam ideias. Nem sempre germinam, nem sempre brotam com a mesma força, nem sempre desabrocham graciosamente cheias de cores. E que ideia melhor do que descrever a procura incessante de ideias enquanto não vem nenhuma? É uma alegoria interminável que muitos outros já fizeram, semelhante à caneta que teima em não escrever, à palavra que teima em não sair, ao orgulho-me dos meus dedos hoje serem chouriços teimosos que outros que se auto-intitulam escritores já relataram.

Mas eu não sou escritora nem nada que se pareça. Sou uma humilde jardineira que acabou, a meio da noite, de colher uma ideia-tipo-cenoura (só se vê rama, não se vê o que se come nem se sabe se é bom), num enregelado calçar botim e vestir casaco de quem procura algo, piscando os olhos e adivinhando as coisas entre o negro cru do quintal.

E esta é uma grande e amorosa alegoria feminina, com muito mais verdade e lógica do que se retira numa primeira leitura. É bonito usar saltos altos, ter o humor subordinado à sigla TPM e usar soutien. Soutien de soutenir, aquele verbo que rima com descair daqui a uns anos. Fantástico! Se a vida fosse um jardim (porque definitivamente e fora de brincadeiras não é) nós seríamos as flores mais bonitas do canteiro.

terça-feira, 1 de abril de 2008

"Mas ela não tem nem nunca terá 20 anos"

Não percebo onde está o problema de me atirar à vida como um cão com fome. A saltar-lhe para cima à mínima distracção, despedaçá-la, aproveitá-la até ao último farrapo. Eu cá não deixo migalhas nem sobras e não pretendo guardar nada no frigorífico para o dia seguinte. E quando se acabar a refeição, ora... espera-se por outra. Melhor_ vagueia-se meia perdida à procura de outra.

Não tenho sonhos, tenho objectivos. O último sonho foi ter sapatos pretos de verniz e passadeira, se bem me lembro. Sim, ficariam impecáveis com o vestido ao xadrez, aquele vestido "de princesa" que usava no Inverno. A partir daí só objectivos, objectivos atrás de objectivos. Entre procurar e despedaçar; entre a agonia de fome e enjoo de barriga cheia; num processo "tudo ou nada" que agora sei que existe e vem relatado nos livros; numa viagem intergaláctica até me cair o mundo aos pés. Terá sido esta a minha adolescência, o período radical?


A fobia a parques infantis enquanto preferia a plasticina e os lápis de cor; a aversão a discotecas enquanto rejubilava com uma conversa inteligente. Preferia peixe grelhado e Muralhas a Cheeseburguer e Cocacola; não emborcava imperial_ apreciava vinho do Porto; trocava o desligar da consciência por motivo do etanol por descobrir coisas interessantes em pessoas interessantes; não me iludia com a beleza evidente_ procuraria essa beleza onde toda a gente pensava que não existia.


A todos os que pensam ser radicais porque dizem yah e seguem as tão vulgares tendências, quando não souberem mais como hão-de ser diferentes tentem morrer com a maturidade pelo dobro da experiência.


Agora ponham-me um rótulo de anormal na testa.