quinta-feira, 26 de junho de 2008

Sinestesias

"Toda a arte é perfeitamente inútil", cuspiu ditoso esse teu livro.


Foi como quem cospe uma coisa amarga, daquelas que magoam a consciência e picam na língua, ou magoam a língua e picam na consciência. Um pico de beleza, um pico de amor; um pico de tristeza, um pico de dor. A arte é feita de picos_ pica, repenica, crepita e levita_ a arte, minha amiga, somo-la nós.


A arte arrebata, maltrata e mata. Ergue-se connosco e afinca-se à pele, até que a podridão te consuma a carne. Não se pode negá-la, não se pode defini-la. Não a agarras, não a conservas, não a destilas nem refinas. E, na ironia da vida, arde-te a ansiedade de extorqui-la.







Eu sou, vou ser criminosa e amordaçar um sentimento, degolá-lo num beco escuro e expô-lo aqui, a quem passar. É sangrenta e cruel esta vontade desmedida de querer matar e mostrar. De querer imortalizar. Pedaços, pedaços belos ou facínoras, laivos gritantes e esfomeados que se alimentam de nós, exigindo o pagamento das prestações em atraso. Porque a arte dá mas também tira. Constrói e corrói, ergue e destrói, ela é o génio e o seu discípulo_ um génio despido, precoce, errante_ doce e imberbe glória, a dos intervalos fugazes.


Sê ousada comigo. Esvaiamo-nos em beleza até sermos só pó. Até decair e sucumbir ao êxtase. Extraiamos a essência, dissequemo-la, isolemo-la de impurezas para depois a servir numa bandeja fria, como vingança em estado puro. A mim não me dói. E a ti?
Eu não tenho medo.


No palmilhar incerto da arte e pela arte, na busca incessante e inconstante do além ter e do além querer, tu aqui me tens.
Sabes, como eu, que somos fruto proibido do incesto entre a exaustão e a criatividade. E tudo na vida tem o seu preço.


Paguemo-lo.
Escrito por Carolina e Eu.

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