quarta-feira, 29 de novembro de 2006

“Um café, se faz favor”


Gosto das histórias que acontecem todos os dias em cafés e pastelarias. Empregados expectantes, o tilintar das chávenas, o barulho da máquina. O cheiro adocicado da pastelaria fina, as conversetas do “diz que disse”, a rotina do café e do pastel de nata, o picar cartão do chá e do bolo, o marcar presença das reformadas de cabelo arranjado, sempre com a típica disponibilidade “supracinquentista” de quem já fez o suficiente pela vida para poder desfrutar de dois dedos de conversa entre uma e outra trinca e uns quantos fundos de chávenas escaldadas. Os pires a bater marcam o compasso e a música ambiente, se a houver, harmoniza a coisa. Melodias há sempre, mais que não seja a de uma colher a bater num copo de galão ou de um “Boa tarde” com graça e estilo.
“É um café”, digo, “se faz favor”, que a cafeína corre nas veias que nem água corre em rio, naquele cenário pictórico do Impressionismo dos grandes mestres. As três pancadas do filtro, a borra de café a cair, o encaixe perfeito na máquina e eis que se deixa verter o líquido sagrado. Abençoado!
Havia digerido todas as palavras e pensamentos, deveras mais poderosos, que proferiste. Cravaram-se em mim que nem espinhas. Caíram-me no fundo e arranharam-me a consciência. Tenho estômago para a crueza da verdade e agressão do esfíncter que separa a razão e a sensação pessoanas. À parte de sensacionalismos e obedecendo às perguntas a que se responde nos leads e que te respondo a ti: eu aqui vivo o presente. O como e o porquê é sempre a parte mais difícil, mas também não sou jornalista. Passado, passai…


Vejo tudo esmorecer-se pela vida fora mas há coisas que, de facto, tatuam. Nos sweet sixteen a mais proveitosa de todas as experiências foi saber da existência de um bom pensante que leccionava vida nas escolas. E ele disse: “Quando chegarem ao cume vão-se sentir terrivelmente feios e terrivelmente sós”. Foi o melhor pensante, o melhor crente (de todo evangelista), o melhor professor (de vida. Quero lá saber do “estudo” da vida, a tão efémera-passível de mudança- “redescobrível” Biologia).Terrivelmente só e terrivelmente feia. Meu Deus, pobres animais nós, humanos que carregam com o adjectivo “Humanos”. Fugimos todos os dias à razão que nos faz ser. De Humanos temos pouco, pouquíssimo, coisa mínima. Somos bichos não civilizados, feios, sós, que correm para o cume e quando chegam…quando chegam morrem para o mundo.


As palavras encravadas sumiram no vácuo do pensamento. Não foram elas que me cortaram a face, me gretaram os lábios e desgrenharam o cabelo. Foi a força do jogo psicológico e o impacto que teve no meu pensamento. Queiramos ou não, as nossas duas mentes jogam. É supra-inteligível_ é”intuitível”. Que vício mau que és.

E sentou-se uma tipa à frente que me despertou a atenção. Um dia também vou caminhar sobre saltos para uma esplanada, pedir um copo de vinho do Porto, traçar a perna e ler um livro velho e rabiscado em francês. Até aposto que je t’aimes e coisas do género lá não hão-de faltar. Coitada daquela, outra a sonhar com donzelas e cavalheiros que já não existem. Não se preocupe, madame, tudo se há-de resolver com uma chávena de café.

8 comentários:

manuhell disse...

addicted, lool

manuhell disse...

ao café claro

Datwo disse...

O beber um café, e qualquer acto similar de consumo num qualquer establecimento com movimeento é uma experiencia bastante enriquecedora assim como andar de comboio, autocarro e metro. Sente-se a pulsação da cidade e a nossa pequenez mingua ainda mais. que somos ná afinal, que não formigas pensantes?

Anónimo disse...

é a primeira vez que comento o teu blogspot! (apesar de não ser, nem de longe, nem de perto, a primeira vez que o visito...)

tenho em crer que é esta capacidade atroz de ver o mundo por tantos prismas .. exprimir sumos e sentidos de tudo quanto nos rodeia, que nos torna mais que um simples exemplo de vivência nas constelações do cosmos!
sim...
bem sei ..
o mundo é tudo menos compreensível e os sentimentos humanos dos espectantes, orulhosamente muito menos que racionáis!
pra mim é nestes momentos irracionais e supra-inspirados que nasce o sentido deste mundo .. e se somos pequenos, em primeira estância temos consciência disso ... mas ...
e pergunto-te. ..

- Havendo o enfinitamente grande não há o infinitamente pequeno ? o nosso problema é a equiparação que fazemos do mundo ... a falta de equilibrio que as mentes menos calmas tendem e subjugam fazer! é o sermos enriquietos por natureza... somos o que somos e o que se leva desta vida são os pensamentos e os sonhos ... uns realidade .. outros nuvens pousando, quais musas, no ares da vida =P

Anónimo disse...

gostei do q escreveste, criaste uma imagem intnsa com um fulgor transbordante, é como um rasgo na realidade diária, daquilo que qeríamos ser, do tentar ser incorrigível e haver sempre algo a corrigir.

Anónimo disse...

Vim (de resto como é hábito) fui, mas n resisti a voltar!

O "café", o social "cafezinho" ou mesmo a antiga "bica" no café da Rosa, pois é parece Mover mundos, quer pela socialização do momento quer pela abençoada cafeína...

Deixo um beijo*
continua, com ou sem café nas veias!! =)

Catarina disse...

Manuel, por experiência própria o vício do café não é nada bom! Funciona melhor uma noite bem dormida! Mas foi bom descobrir outros "cafeínodependentes" lá para os nossos lados!

Datwo, não nego a minha pequenez mas prefiro pensar que sou uma formiga capaz de levar o mundo às cavalitas. Se me resignar à minha unicidade (que não é de todo sinónimo de impotência!) é bem possível que não passe da reflexão ao acto.

a. m. oliveira, aceito a tua designação de mente menos calma! Se me dotaram de pernas sou livre de espernear quando a circunstância o justifica, nem que isso altere o meu sossegado e aparentemente imperturbável equilíbrio! Se sou um corpo vivo pensante vou submeter-me então à falta de equilíbrio e tornar-me num bicho irrequieto. Sonhos e pensamentos não me sabem ao mesmo que a opinião que tenho do que está mal e é passível de ser mudado. A palavra é algo mais que uma rampa de lançamento... Espero ter feito a interpretação correcta!

Maria, melhor que ninguém sabes que quando deixa de haver aspectos a corrigir as coisas perdem a piada. A perfeição é utópica e ser incorrigível é uma defesa doce contra a rotina. Obrigado pela observação!

Morais, luís (haha!!), companheiro de muitos actos sociais acompanhados de café! O ambiente dos cafés é uma casa de Magos e aquela chavenazinha tem magia lá dentro! Um beijo! :)

Anónimo disse...

Fabuloso, este.

A atitude de quem se ausenta das coisas, de quem vê o filme de fora, apesar de estar presente (e bem!) [presente].

Como se abdicasses momentaneamente da tua vida para viver as outras, ao redor. É um mergulhar puro(de cabeça!) no caldo humano; e assim nos (re)vemos na continuidade das acções dos outros. Deixando as emoções rolar (e enrolar!) os pensamentos.

Tanto que
Vem
à Memória!

É bom, observar. Não percebo porque é que as pessoas se queixam que não há tempo [nem espaço!] para viver (de) tudo. Basta parar num café e observar. A imaginação flutua nos factos mais corriqueiros da vida, nas conversas mais banais.

Ser várias pessoas sem deixar de ser nós. Ou ser nós, sem nos privarmos de ser outras pessoas. No fundo, projectamo-nos sempre nos outros, de uma maneira ou de outra. Podemos beber deles, aprender deles.

Viver através deles.

É claro que há sempre a complexidade e a inteligência. Porque as pessoas inteligentes [as pensantes!] carregam o fardo do pensar. Pensar demasiado. Medir demais as palavras. [ou medi-las de menos!]

Não se pode escolher quando se quer pensar. Pensa-se sempre. Para abrir a torneira, ou fazer um teste. Para respirar.

Há pessoas que nos marcam. Lugares. Conversas. A memória é TÃO forte. TÃO condicionante.

Mas quem ta tira? Ninguém. É o teu mundo e ninguém te arranca dele. Bom?
Mau?
É assim mesmo.

Mas os seres pensantes,
os seres pensantes são os que mais precisam de [certas] bofetadas.
Às vezes tornam-se demasiado bons. Ou demasiados maus (em altura imprópria!).

Porque essa mesma inteligência, acarreta a loucura.Proporcionalmente. É o preço a pagar pela genialidade. Pela riqueza. Pela "vasteza".

Quem vê muito mais além às vezes tropeça na pedra mais pequena, mais próxima, mais inusitada. Mais inofensiva.

Não é uma escolha, é um modo de vida.

Porque simplesmente,

nunca se foi capaz de viver de outra forma.


um dia vamos

"conversar até cair de cu".

Mandamos parar o tempo. Num qualquer buraco negro do espaço.