quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Au point

desespero

s. m.,
desesperação;
angústia.



Se ao menos tudo fosse certo como a matemática…É que na vida uma soma não é tão soma como o é algebricamente e uma subtracção subtrai números, subtrai vidas, subtrai tudo e a diferença é sempre tão ou mais inexacta como equações indeterminadas mas faz mais diferença do que um rabisco numa quadrícula. Dividir e ter resto zero é algo fictício e os divisores são favorecidos em detrimento de dividendos. Conjunção não existe na prática para dar lugar à disjunção cada vez mais presente ou trivial ou frequente ou comum ou, ou, ou... As tabelas de verdade são tão verdadeiras como a própria falsidade. O impossível não é objectivamente detectável como 1=2 é uma proposição falsa e o equivalente não implica precisão, ou não fosse a semelhança a candidata mais obstinada a ser igual. E é apenas na vida que os números imaginários têm lógica_ para substituir o espaço do que é impossível. No papel são uma molhada de is sem ponta de nexo que gritam das quadrículas “Eu sou irreal e posso fazer coisas que os outros não fazem, ouviste?”.

O sexto copo de Baden Powell assim o ditou. O primeiro alicia um segundo e o segundo seduz um terceiro. O quarto é pecado e o quinto já só escorrega. O sexto é fatal. Herdade do Esporão, quinze graus de devaneio, sete decilitros e meio de uma viagem pelos caminhos mais sinuosos que a Lógica alguma vez viu.


Também tenho direito aos meus pontos de descontinuidade…

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Espírito "consumício"

Está frio, está. E estamos frios.

O calendário não mente. E mesmo que mentisse, não mente o tempo agreste e enregelante, as ruas pomposas e ricas, soberbas de luz e de sumptuosidade, as lojas a abarrotar, os sorrisos amarelos, o curioso aumento do número de mendigos nas ruas e a invasão da publicidade televisiva. As criancinhas delirantes, os desgraçados dos Pais Natal pelas ruas a dar rebuçados ou balões ou a tirar fotos ou a receber miúdos no colo. Fatias douradas e sonhos besuntados estatelados nas vitrinas das pastelarias, senhoras e meninas alambazadas e francamente preocupadas com a linha. Ó minhas queridas, engordem-me essas peles de inteligência, por favor.

Ainda bem que, ao contrário do que é suposto acontecer, o Natal não é quando o Homem quer. Porque se for realmente desejo do Homem as prendinhas, as luzinhas, os balúrdiozinhos em coisas desnecessárias, não é necessário chamar-lhe Natal_ é que realmente de nascimento e de vida estas festas têm pouco. Acaba por ser um apogeu do espírito consumista. Ou “consumício” se preferirem.
Fica-se parvamente sensibilizado com as Boas Festas de vizinhos, conhecidos, companhias casuais e até funcionários de lojas. “Obrigado e Feliz Natal, minha senhora. (Veja como somos simpáticos e para a próxima compre cá outra vez)”.
Temos as prioridades trocadas e afundamo-nos numa grande crise de valores, mas graças a Deus temos a maior árvore de Natal da Europa, uma capital sumptuosa de luz, freguesias que se esmifram para pendurar umas estrelas e uns sinos que piscam nas bermas das estradas e muitas prendinhas no sapatinho, cheias de laçarotes e embrulhadas em papéis coloridos e brilhantes. E já nem falo de questões ambientais. Face a este cenário seriam difíceis de compreender. E eu é que tenho mau feitio.

Estamos mesmo frios.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Jukebox

A troco de moedas vendem recordações. E já estou naquela dança sem pés nem cabeça, a ziguezaguear entre plumas, a rodar um colar de pérolas, a pairar numa atmosfera de almíscar das essências caras e raras de início de século. O corte é perfeito, o estilo é mandamento, a cor e a forma da alta costura das casas europeias de moda é um equilíbrio esfíngico como o dos pés nos inovadores e nunca pensados sapatos nas voltas descontraídas e apimentadas pelo saxofone.Um, dois, três, estalam os dedos. O contrabaixo lá atrás e a voz estridente de uma loiríssima, insdiscretíssima, apertadíssima de lábios vermelhos. Se calhar até se chama Marylin, se calhar não. Uma pianada, uma pianada e meia, duas pianadas e outra loira (que praga esta...) reluz das manchetes negras dos jornais, da poluição visual da diversidade e da sujidade citadinas. De nome Diana Krall, não precisa de apertos, de lábios vermelhos nem sequer do sensual "Happy birthday Mr. President" com pestanas a bater e um ar artificial de anos 50. Os dedos caem-lhe nas teclas e o piano ganha magia. Com ela o dórémifásollási parece facilmente "aprendível" e as colcheias, mínimas, semínimas e outros símbolos tão estranhos como belos penduram-se nas cinco linhas da pauta com a naturalidade com que se pendura roupa num estendal. E o vento passa e toca... Ela canta: "I never seen such losers darling even though I tried to find a man who can take me home instead of taking me for a ride. And I need someone to love me. Darling I know you can't. Don't you put yourself above me you just love me like a man."


Alguém na sala que mude a música, por favor.